30/07/2009

complemento alimentar

Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada

I
Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural

- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.

Manoel de Barros

Mais sobre Manoel de Barros em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de_Barros

1 comentários:

Anônimo disse...

esse eh o manuel, poeta cujos pes nao sao de barro

22/03/2009

http://www.citador.pt/citacoes.php?cit=1&op=6&search_query=beleza&firstrec=0


mecanismos de busca e camadas de sentido
hiperrealidade do hipertexto do ipê-amarelo
(só acredito na filosofia que se possa citar?)
acho bonito
resolver puzzles, [tudo se resolve na mentalidade da técnica
]
nao ter necessidade de conhecimento e jogar com fragmentos?
sim, isso é uma pergunta, um mon´logo, um monotanohipopotamo

sao outras predisposiçoes de ver o mundo, de dar sentido, de viver

ordem no tribunal (acordo, razao; pressao, imposiçao; a razao eh critica, eh a autoridade!11:11 vai discutir -duelo em que as armas já foram escolhidas (eh o progresso)
o capitalismo metafisico
etc e tal.
pois é
pois bem
pois então
se então
aliás o se então é o principio da razao suficiente
mas e daí?
te digo uma coisa
-não nao digas nada,
sim, tudo se resolve no amor, mais do que na ciencia e nas linguas de anjos, animais, homens (nao ha tanta fome de espelho, e do que se tratam estas coisas senao vaidade?)
mas eh preciso tambem beleza, e justiça, e saber
dignidade
pra valer a pena viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer e viver e morrer o looping eh o looping d 'o homem eh o looping d'o homem

20/02/2009

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro,
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto
que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.


Eugénio de Andrade



magritte

15/02/2009




Onde existem estradas perco o caminho.
Nas amplas águas, no céu azul, não há sinal de trilha.
O caminho está escondido pelas asas dos pássaros, pelo fogo das estrelas, pelas flores das passageiras estações.
E pergunto a meu coração se seu sangue carrega a sabedoria do caminho invisível.

Tagore

12/02/2009


Eu sou da raça do Eterno.
Fui criado no princípio
E desdobrado em muitas gerações
Através do espaço e do tempo.
Sinto-me acima das bandeiras,
Tropeçando em cabeças de chefes.
Caminho no mar, na terra e no ar.
Eu sou da raça do Eterno,
Do amor que unirá todos os homens:
Vinde a mim, órfãos da poesia,
Choremos sobre o mundo mutilado.

Murilo Mendes
"Filiação"

05/02/2009

"liberte-se de seu dedo maior do pé"

liberte-se de seu dedo maior do pé!!!!


sai dedão, me deixa em paaaaaaaaazzz!!!!


dedo duro de matar
"... कदा वेज़ मिस प्रेतेंसिओसो, hermético ऐ नोंसेंसे॥"
"सबस कुए टेंस razão? ओब्रिगादो पेला दिसा!"

17/01/2009

mitologizar nao eh dar o logos à persona; eh a anima que fala da psique utilizando-se de imagens vividas a partir do mundo. mas isso ja seria um mito mais "lucido", pq em geral o mito se dá a partir da possessao de algum arquetipo, e todo o sentido eh projetado a partir da luz daquele arquetipo.

16/01/2009

anagrama noein einai

""".....""""""esta como “a existência, como a vida, não se pode conceituar, porque é nela mesma
possibilidade, criação, invenção, acontecimento” (2004, p.25, tradução nossa). Para o autor, a
experiência é impura, confusa, fugaz, está ligada a situações concretas, contextualizada,
diferentemente da ciência que procura ser pura e produzir idéias abstratas e gerais. Deste modo, ao
reivindicar a experiência, reivindicamos a subjetividade, a incerteza, o corpo, a fugacidade, a
finitude, a vida.
Além dessa expressão que nos a




Nas primeiras linhas da Introdução à Poética do Espaço, Bachelard esclarece: “Um filósofo que formou todo o seu pensamento ligando-se aos temas fundamentais da filosofia das ciências, que seguiu, o mais precisamente possível, a linha do racionalismo ativo... (...) deve esquecer seu saber, romper com todos os hábitos de pesquisas filosóficas, se quiser estudar os problemas colocados pela imaginação poética”. Mais adiante, na mesma página: “Por sua novidade, por sua atividade, a imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo próprio. Ela advém de uma ontologia direta. È com essa ontologia que desejamos trabalhar”, E completa: “Para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética é preciso voltar a uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da imagem poética no momento em que ela emerge na consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado na sua atualidade”. ( A Poética do Espaço, p. 341 e 342)